sábado, janeiro 24, 2009

Videotape - o Novo Bei de Túnis.

Senhores, depois da derrota do Fluminense para a LDU meu espírito se recolheu temporariamente a versão sobrenatural do Sanotorinho. Não há nada que deixe um homem mais tísico do que uma derrota estrondante e indevida. Os bofes saltam a boca e o lenço de linho com arminho se torna carmim. Após razoável recuperação, não me senti inspirado em escrever sobre o certame nacional. O carioca sente a dor do exílio quando tem de ir além de Madureira.
Hoje tivemos a primeria rodada do certame carioca. Assito ao jogo do Alvinegro de Venceslau Brás esperançoso que algum fato de interesse humano nos redimisse do estado lamentável do gramado da arena do Boavista, ensopada como uma Sibéria degelando e pisoteada pelas tropas equestres de Napoleão. O polo aquático era o esporte mais recomendado para as condições vigentes.
O destaque e, assim, meu personagem da semana deveria ser Maicossuel pelos dribles e os dois gols redentores que definiram a vitória alvinegra. O jovem mostrou talento, ousadia e um viço de possesso dostoiveskiano. Ainda assim, o árbitro ganhou a condição de figura de destaque de maneira pusilânime.
O árbitro no futebol tem prerrogativas comparáveis a infalibilidade papal. O Senhor do Apito tem poderes superiores ao Bei de Túnis. Não sei bem se há ou mesmo se houve uma Bei de Túnis. Mas, quando imagino esse personagem, o vejo sobejamente poderoso e incostestável.
O primeiro lance duvidoso foi o gol anulado do Boavista. O árbitro não validou o tento com base na idéia de que Leandro Gurreiro foi empurrado pelo atacante do Boavista. O toque houve. Mas, a sutileza do gesto me faz questionar se deveria ser considerado uma falta no "Rude Esporte Bretão". Notem que, por influência dos ingleses, chamamos o futebol de "Rude Esporte" e o Boxe de "Nobre Arte". O afável movimento do atacante do Boavista não tem a virilidade necessária de uma falta.
Mas, o completo desvairio ainda estava por vir. Alessandro faz um gol de cabeça. O juíz valida o gol, aponta o meio-campo e corre nesta mesma direção. A defesa do Boavista cerca o bandeirinha com ares de Blitzkrieg. Atestam que o gol não aconteceu e que a bola passou por fora entrando por um furo na rede. O bandeirinha intimidado confirma a informação e chama o árbitro. O ábitro confabula com o bandeirinha. Direciona-se ao gol para checar as condições da rede. Valida novamente o gol e corre para o meio mais uma vez. Os times estão dispostos para a saída de bola. Mas não há bola. O gândulas orientados pela diretoria do time de Bacaxá não facultam a ferramenta principal do futebol ao time do Botafogo. O Bandeirinha de novo cercado é atendido pelo árbitro. O quarto árbitro pergunta aos repórteres sobre o que era dito nas transmissões de TV. Os jornalistas confirmam que a bola entrara por fora. Informação sabida pelo quarto árbitro e transmitida ao Juíz e aos bandeirinhas. O time do Botafogo segue esperando, armado do outro lado da risca central. O juíz, sabedor da verdade extemporânea e burra do videotape , volta atrás da decisão duplamente confirmada de validação do gol. A bela obra do Sobrenatural de Almeida é rapidamente desmontada. Sabemos que tal personagem teve seus momentos de glória na idade média e vive hoje cada vez mais aislado em seu quarto infecto no Irajá. O uso do videotape pode representar a morte definitiva desse que parecia eterno. Além de toda essa discussão metafísica, pensemos agora na questão de direito. Um erro de fato é compensado por dois ou três erros de direito. O juíz compensa seu vacilo de fato, legalmente confirmado duas vezes, voltando atrás com base no uso ilegal do videotape, já repudiado como recurso de decisão no futebol. E o jogo só não começou depois do gol duplamente validado, pois abola fora malandara e ilegalmente escamoteada por minutos a fio, dando tempo dos árbitros se informarem do que dizia a reportagem televisiva. Eu havia dito que o árbitro era um verdadeiro Bei de Túnis. Minto e erro. O Verdadeiro Beis de Túnis hoje em dia é a televisão e sua escusa e burríssima arma do videotape. O apitador ainda conseguiu ignorar um penâlti claríssimo em Maicossuel, que fora golpeado nas costelas após uma sequencia de salames dionisíacos aplicados na defesa do Boavista. Maicossuel, ainda assim, consagou-se com mais um gol, além da meticulosa falta na gaveta. Um gol de cabeça com os rútilos olhos abertos. Vitória do Botafogo. Mas, derrota do Sobrenatural. Em tempos de racionalismo, o Sobrenatural de Almeida leva vida modesta no já citado quartinho infecto no Irajá. Mas tomará chá e whisky com os senhores alinhados da International Board para reclamar do todo-poderoso e, ao mesmo tempo, subserviente juizinho do jogo. Todo-poderoso diante das verdadeiras estrelas, os jogadores; subserviente, diante do quarto poder maldito da ignara imprensa esportiva e seu burríssimo e ilegal videotape. O futebol trabalha com o limite da condição humana. Se os olhos humanos não conseguem ver em uma fração de segundos é problema dos olhos humanos. Vige o Sobrenatural. Os velinhos da Board não permitem o uso do videotape para decisões no futebol, para o bem da emoção. Viva ao conservadorismo. Já mandei comprar casaca de feltro engalonada e calça princípe de Gales para o Sobrenatural de Almeida. Ele vai a próvxima reunião da Board sussurrar no ouvido dos velinhos bebedores de chá e Whisky: "vocês estão certos. Não ao videotape e punição para quem usar de tal arma funesta e ilegal!"
Que o futebol seja sempre a experiência do limite da condição humana!

segunda-feira, junho 09, 2008

CALA-TE BOCA

Vocês se lembram do Santos de Pelé e Coutinho? Vocês se lembram do futebol feérico do Santos de então? Pois, desde este tempo um time brasileiro não derrotava o Boca Juniors no certame continental. 45 anos de espera por um time brasileiro ser capaz de espantar o fantasma do quadro portenho. O Fluminense foi na última quarta-feira, como eu já havia prenunciado aqui uma semana antes, o triunfo do homem brasileiro. Um vaticínio divino é muito mais que um palpite de esquina. A vitória sobre o Boca era fatal e irrevogável. Os argentinos menosprezaram o Fluminense a semana passada inteira. Nossos 30 títulos cariocas foram transformados em meros campeonatos de bairro, em vitórias em peladas de casados contra solteiros. Fomos apupados, estimulados e encolerizados pelas declarações dos argentinos. Devemos agradecer ao senhor Ischia, técnico do Boca, a imprensa argentina e mesmo àqueles entendidos que, apesar de brasileiros natos, ridicularizaram as pretensões tricolores de vitória. Todo esse menosprezo nos virilizou como um afrodisíaco.
O irretocável triunfo tricolor tem todas as características da expiação do complexo de vira-latas do brasileiro. Assim como precisamos perder uma Copa em casa para sermos campeões 8 anos depois, o Fluminense precisou cair no mais fundo poço para se reerguer com uma fênix e brilhar internacionalmente. E, da mesma forma que a seleção de 58 foi massacrando seus adversários, um a um, apesar da descrença dos entendidos de plantão, o mesmo fez o Fluminense. Para a crítica especializada o Boca era o time que jogava melhor fora de casa. Era o time que não se assustava com nenhuma torcida. Todos sabemos que nem a morte expia o dever clubístico. Os tricolores esgotaram os ingressos e ainda encheram os botecos para ver o jogo. A cidade toda explodia em três cores. Mas, vem a batalha. De um lado, o várias vezes campeão da Libertadores Boca Juniors fazendo mais uma partida. Do outro, o Fluminense fazia a partida mais importante de sua história. Com essa idéia completamente introjetada na cabeça de cada um dos craques tricolores, apresantávamos um elán vital insuperável. E como havia dito o nosso Rei Nato: "O Boca nunca enfrentou o Fluminense no Maracanã lotado". Dito e Feito. Eles que não conheciam o Fluminense, passaram a conhecer. O senhor Ischia após o jogo insitia, como na semana anterior, que seu time tinha sido superior em todos os aspectos. Os jornais argentinos disseram que o Boca caía de pé. Estranha queda essa de pé. No futebol a vitória nunca é por pontos como no boxe. De que adianta o Boca ter atacado mais se não foi capaz de nos nocautear. Aliás, o gol de Dodô teve justamente esse caráter de golpe de misericórdia. O Boca já cambaleava como um urso bêbado e com toda docilidade nosso esteta, nosso estilista da pelota desferiu-lhes o golpe fatal. Dodô mereceria uma crônica a parte. Ele já havia reclamado da reserva duarante a semana. Como num romance de Dumas, o pai é claro, Dodô era nosso Dartagnan. E Vinte anos depois ele voltava às Laranjeiras para nosso triunfo. O senhor Ischia devia ter dito que Dodô e não o Boca fora superior em todos os aspectos. Foi ele que numa jogada brilhante recebeu a falta que gerou o primeiro gol do Fluminense num sacrossanto chute de Washington. Foi que ele que deu o passe milimétrico para o gol de Conca. E foi ele ainda que desferiu o golpe fatal sobre o todo-poderoso quadro portenho. A crítica especializada muito falara sobre Riquelme. E não se viu ou ouviu nenhuma palavra sobre Dodô durante toda semana. Até um tijolo é capaz de reconhecer a genialidade de Dodô, mas não o jornalista profissional de futebol brasileiro. Vi diversos jornalistas declarando que nosso Rei Nato estava certo de deixar Dodô de fora da grande decisão. Diziam que ele era um jogador de pouca força física e de pouca velocidade e que diante da energia do quadro portenho seria menos um em campo. O que é correria desvairada e obtusa diante da genialidade? Dodô deu arrancadas fulgurantes, passes mais na bandeja do que a cabeça de São João Batista. Mas, um dos mais belos momentos foi o drible do reloginho. Seu marcador foi transformado em um palhaço de mil guizos. Estranha fragilidade de um touro de soneto, estranha lentidão de puro sangue bravio. Dodô calou o Boca e a boca de muitos entendidos. Antes de terminar não poderia esquecer de louvar nossa retaguarda. Fernando Henrique, como eu já havia dito, é a volta da leiteria. Esse rapaz que vinha injustamente sendo chamado de frangueiro pela nossa própria torcida foi mais uma vez uma Muralha da China. Lá atrás, Luiz Alberto, um monstro sagrado, um guerreiro incansável, chutava até bola. E Tiago Silva é justamente chamado pela torcida tricolor de "melhor zagueiro do Brasil".
Logo após a vitória tricolor o presidente da LDU fazia-nos um favor incrível. Ele declarou que preferia fazer a final com o Boca, um time internacional, do que com o Fluminense um time pouco conhecido. Parece que eles não aprenderam a lição com seus primos mais ricos argentinos. Eles vão seguir nos fornecendo esse combustível metafísico para as vitórias esmagadoras: a sede de vingança dos humilhados. O Fluminense será de novo o herói do Brasil. Expiaremos nosso complexo de vira-latas mais uma vez. E a LDU será nosso bode expiatório, nosso cordeiro de Deus. E não teremos piedade deles!

sexta-feira, maio 30, 2008

NÃO CHORES POR MIM ARGENTINA

Vejam o que é Futebol meus caros leitores. Os detratores do Fluminense seguem creditando a qualquer adversário a superioridade sobre nossa esquadra. Não nego que o Boca Juniors é um desses times que confere uma dimensão de eternidade a mais crassa das peladas. Derrotou o Atlas e o Cruzeiro em suas respectivas casas. Mas, como lembrou o nosso Rei Nato após o jogo dessa quarta-feira, o Boca ainda não enfrentou o Fluminense no Estádio Mário Filho diante de 100.000 torcedores pó-de-arroz. Empatamos heroicamente na Argentina com a esquadra de Riquelme e ainda assim os idiotas da objetividade não conseguem vislumbrar o óbvio ululante. A fatura está liquidada.
Gostaria de celebrar a volta da leiteria. Fernando Henrique, um rapaz que só quer dedicar-se à salvaguradar a meta tricolor vem sendo injustiçado reiteradamente não só pelos entendidos como pelos próprios torcedores do tricolor. Façamos justiça: é um grande goleiro. Ele foi fundamental para o épico empate tricolor em Buenos Aires. Vejam que além das grandes defesas, a bola que estorou na trave confere as características necessárias para a confirmação dos poderes sobrenaturais que só a leiteria fluminense sempre teve. Um colega pó-de-arroz como eu disse que não sabia que força divina esteve ali presente par que aquela bola não entrasse. E eu lhe respondo com convicção: "A leiteria, a leiteria está de volta"!
Outro colega pó-de-arroz como eu me perguntara se o frango do goleiro do Boca seria obra do Sobrenatural de Almeida. Tudo me leva a crer que não. Como sabemos o Sobrenatural de Almeida teve sua época gloriosa na idade média e relegado a um plano secundário em nosso tempo vive impotente no seu quarto infecto no Irajá, operando suas influências horrendas a miúde. Acredito que o Sobrenatural de Almeida foi responsável pela perda do penâlti de Edmundo em São Januário. É claro que uma figura metafísica como ele poderia estar em Buenos Aires, em São Januário e mesmo no Morumbi, atrapalhando Boca, Vasco e Botafogo simultaneamente. Mas, tudo me leva a crer que ele estava concentrado no Vasco. Edmundo é um grande batedor de pênaltis na verdade. Quem atrapalha ele é a voz metafísica do Sobrenatural de Almeida. Edmundo é o tipo do sujeito que é preferido pelo Sobrenatural de Almeida. O Gênio Fronteiriço tem toda a personalidade talhada para atrair o vício funesto do Sobrenatural de Almeida de interferir na felicidade alheia. Ele sofre, se irrita, se descabela. Fazendo o Sobrenatural de Almeida mais feliz em sua doce vingança. O caso do goleiro do Boca é ruindade mesmo. Nós sabíamos que o time tricolor estava orientado a chutar sempre que possível. E isso me dá a segurança da classificação na quarta vindoura: de um lado os poderes sobrenaturais da leiteria; de outro, o galinheiro platense de portas abertas. Sobre o caso do Botafogo, o problema é psicológico. Já conseguimos ver no jogador de futebol um ser humano, mas às vezes esquecemos de lhe conferir uma alma. Se no lugar de Cuca tivéssemos um Freud na boca do túnel ou mesmo um padre, talvez a força anímica dos alvinegros estivesse mais virilizada. Então, é claro que o Sobrenatural de Almeida estava em São Januário que é um destino bem mais próximo de seu logradouro de habitação, o célebre quarto infecto no Irajá.
Os argentinos achavam que iriam intimidar os tricolores. A palavra madre circulava copiosamente na cancha. Mesmo depois da peleja, o técnico do Boca insistiu que o jogo não tinha sido de igual para igual. Que seu time era superior, mais experiente e que virá ao Maracanã buscar uma vitória. Faço das palavras de Tiago Silva as minhas. Ali ninguém é mais homem que a gente. É esse o tricolor que espero ver na quarta vindoura. Apupado pelo menosprezo do Boca, o time tricolor mostrará ao Boca quem é o Fluminense. Diante das condições matemáticas de classificação bastaria-nos a leiteria que está de volta para nosso regozijo. Mas, veremos onze homens em campo. Veremos o triunfo do homem e mais que isso veremos o triunfo do homem brasileiro.

sexta-feira, maio 23, 2008

CORAÇÃO DE LEÃO

Senhores, não é hora de quebrar lanças pelo estilo como preconizava o nosso velho Bilac. Só nos resta louvar o mágico, afável e épico triunfo tricolor. Os idiotas da objetividade, a crítica especializada insistia que experiência e a força física do tricolor paulista falariam mais alto. O berro impresso das manchetes insistia na vantagem do tricolor do Morumbi. E eu, atônito, seguia me perguntando aos amigos pó-de-arroz como eu se a crônica esportiva conseguia vislumbrar algo mais que força física e experiência como fatores determinantes no futebol. Não há dúvida, o tricolor Paulista tem uma saúde vacum, mas o tricolor carioca, esse sim, é o time das vacas premiadas. Além do mais, não estávamos disputando título de pugilismo ou telecatch. Mesmo assim o bravo Conca recebeu dois tapas estalados de contra-regra de filme sob o riso pusilânime do árbitro. Mas nos atenhamos ao caráter feérico do primeiro gol. Ouvi dizer de um ou outro membro da plebe ignara que Washington Coração de Leão era apenas um fazedor de gols limitado e que o Imperador esse sim era grandioso. Que Washington era um centroavante medíocre se comparado ao Imperador Milanês. Primeiro devemos lembrar que Imperador na Itália é romano e jamais milanês. E, depois só um gênio da cabeça à ponta dos sapatos poderia fazer um gol de calcanhar daquela maneira. A clavidência do toque, pensado, intencionado e executado, inclusive, com um certo grau de crueldade revelam a genialidade de nosso craque. Washington poderia ter pego a bola de virada e estufado a rede. Mas, ele preferiu um movimento mínimo e plástico para completar o desvio de Cícero. Latino por latino prefiro um Cícero, cultor da palavra, poeta e sábio que um Adriano sem Roma, um rei à milanesa. O fato de Washington ter sofrido de problemas cardíacos e ainda por cima ser diabético só fazem a sua figura mais intrincada, heróica e carambola. Não é qualquer reles mortal que vai a mesa de operação, passa pelo bisturi e segue jogando com esse amor. Talvez os idiotas da objetividade não tenham notado, mas pairava na cabeça de Washington um alo de santo ou herói desde o primeiro minuto de jogo. E, no ritmo de seu coração, ampliado pela angioplastia e pela inquebrantável energia da torcida pó-de-arroz, o time se desdobrava superando a tão decantada força do Morumbi.
Mas pensemos no desenho da batalha e na forma com que os desígnios da vitória foram construídos. Eu e mais 70.000 tricolores queríamos Dodô em campo. Sentíamos falta do sorriso de Dodô. E nosso estilista, nosso esteta vinha massacrado por uma viagem à Suíça para se defender do que não fez, do que não tinha culpa. Dodô vem sendo enjaulado pela apoteose da burocracia. Mas Dodô tem um sanidade mental de dar inveja. Pensei que veríamos um Joseph K. aturdido e cansado pelas incessantes chincanas jurídicas. Mas ele estava lá assinando a súmula com aquela cara de quem pensa na morte da bezerra. Se todos tivéssemos a tranquilidade de Dodô, o doutor vienense viveria de catar papel na rua. Dodô é um desses que não se descompõe diante de nada, nem mesmo do grito do rapa.
E essa alteração dá todo o caráter trágico à batalha de tricolores. Depois de uns cinco minutos insuflado pela entrada do craque, o fluminense começa a perder espaço na meia-cancha para o tricolor do Morumbi. A falta de Arouca que corre mais que personagem de desenho animado, abriu espaço para a correria obtusa do fortíssimo tricolor Paulista. Mas nesse momento o desenho da tragédia do tricolor paulista se figurava. Como um Napoleão na Sibéria, Muricy mandava seus comandados a frente sem entender que nem sempre avançar no território alheio é a melhor medida nas grandes batalhas. Muitos tricolores acreditaram que diante do gol de Adriano após cruzamento de Aloísio o Fluminense pereceria com uma laranja descascada. Mas era isso que precisávamos para a grande vitória. Precisávamos de um time encolerizado e apupado. Naquele momento nos tornamos onze rútilos epiléticos. Onze não, minto, éramos apenas 10. Dodô seguia com aquela mesma cara de quem pensa na morte da bezerra. E depois de seu gol, oportuno e desmoralizante como todo gol por debaixo das saias do goleiro, podemos ver seu sorriso. Deve-se lembrar que Dodô nem sequer pega a bola no fundo das redes e sai correndo como é de esperar nesses momentos. Ele já sabia que a vitória tricolor estava escrita há dez mil anos atrás. Ainda estávamos lutando contra tempo naquele momento na visão crassamente racional dos idiotas da objetividade. Ouvi que o São Paulo como um time mais experimentado ou resistiria a pressão tricolor ou faria outro gol no contra-ataque. Chances mil perdemos. Gabriel e Conca, sempre Conca. Mas, o destino iria premiar o nosso mais saudável jogador. Como numa tauromaquia de Goya maltratávamos o touro, mas esperávamos o último momento para desferir o golpe fatal. O Coração de Leão, o safenado, quase enfartou alguns tricolores. Não a mim que já sabia dessa vitória de cór. E a torcida tricolor viveu eternamente aquela fração de segundo entre a cabeçada e o transpasse da linha fatal. Assim na terra como no céu!

sexta-feira, maio 16, 2008

O IMPERADOR E O REI NATO

Pasmem senhores leitores e leitoras (pois é, dizem que eu tenho quase uma metade de leitoras entre os meus leitores), mas aqui no Inferno também tem tuberculose e sanotorinho. E, depois de longo e tenebroso inverno volto a incomodar meu cavalo e distilar algumas verdades extemporâneas.

Essa semana mais que o jogo entre tricolores tivemos uma batalha entre futebol e argumentos. De um lado a esfuziante atuação de Adriano que tem nome e futebol de Imperador. De outro lado a inquebrantável confiança de nosso Rei Nato Gaúcho em entrevista coletiva. O Tricolor paulista perdeu grande chance de fazer maior vantagem em cima do tricolor carioca. O Mesmo Rei Nato que errou em deixar o argentino Conca de fora, acertou em dizer que 1x0 no Morumbi é resultado para deixar o Fluminense ainda mais confiante para o duelo do Maracanã. Nas grandes guerras, como é o caso da Libertadores, batalhas no capo alheio, vencidas por diferença mínima, são de um alento quase afrodisíaco para o derrotado. O Fluminense sai fortalecido da derrota no Morumbi e aqui trataremos o São Paulo como uma ratazana prenhe enxotando-o do certame continental a pauladas. Esperamos que nosso Rei Nato entenda que a artilharia de frente deva ser constituída por nossos cavaleiros mais importantes. O quarteto fantástico não pode ser separado. Os três mosqueteiros sem Conca são como os três mosqueteiros sem Dartagnan. Nosso Rei Nato errou de novo ao tirar o Thiago Neves para coloca o Conca. A reclamação do garoto em sua saída demonstra a sua energia e vontade de jogar. E sabemos que a vontade move montanhas. Se o quarteto fantástico estiver em campo o tricolor fluminense fará a exibição de gala que tanto se espera do time de craques. E se o Rei Nato não pecar pela teimosia o Imperador chorará lágrimas de esguicho.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

A DERROTA DA TEIMOSIA E A VITÓRIA DO RESSENTIMENTO

Exultante com a vitória tricolor só pensava em ir pra casa para escrever minha crônica. Mas por amor ao futebol, por solidariedade a um colega alvinegro solitário e por ossos do ofício resolvi assistir o jogo entre o campeão e o vice do ano passado. Durante o primeiro tempo os jogadores botafoguenses estavam perplexos. Não com o time do tricolor suburbano, mas com a massa pó-de-arroz que não deixava as arquibancadas e não parava de gritar. Além de já terem cumprido sua parte e exultarem seus jogadores, os tricolores resolveram atrapalhar a vida do Botafogo. Atônitos os jogadores botafoguenses já entendiam que o espetáculo maior era da torcida tricolor. Meu colega botafoguense insiste que a diferença de número, de volume, de energia das torcidas se explicava pelo televisionamento do jogo do time de General Severiano. Isso não imune nem isenta ninguém. Sabemos que nem a morte expia o dever clubístico. Botafoguenses vivos ou mortos deveriam ter lotado o Maracanã para exaltar o atual campeão. O time botafoguense se sentia como uma infantaria sem retaguarda. Estavam no front sem ninguém que os desse cobertura.
A ausência de Dodô foi o primeiro equívoco de Cuca. Um craque, um virtuoso, um estilista, um goleador desde a pia batismal como é Dodô não poderia ficar de fora nem por decreto. E não estava machucado, resfriado, doente. Dodô não sofria sequer da mais sumária coriza. Cuca o queria em plenas condições físicas para o segundo jogo. Ora, não me venham com gráficos de performance. Dodô estava salubérrimo e mesmo que tivesse uma perna amputada faria diferença. Erro crasso, e diria mais, a ausência de Dodô foi um equívoco ululante de Cuca. Talvez Luís Mário devesse ser poupado. O cigano ponta depende de seu estado físico, de sua correria obtusa se transformar em arrancos de cachorro atropelado. Mas não Dodô. Para ele basta a presença em campo. E a bola vem lhe lamber as chuteiras como uma cadelinha amestrada.O outro erro de Cuca foi escalar Zé Roberto no ataque ao invés de no meio de Campo. Zé Roberto privado do poder de comandar o time. Zé Roberto, de costas, apanhando sordidamente dos zagueiros inescrupulosos. Zé Roberto, enfim, fora de seu metiér.
Mas os botafoguenses argumentavam que o Botafogo atacou desde o começo. Que o botafogo atacou mais. Que o Madureira fez dois gols de contra-ataque. Pois o Botafogo caiu na armadilha do tricolor suburbano com tremenda inocência. Depois dos dois gols tricolores, o Botafogo era um Prometeu acorrentado. E que gols, diga-se de passagem. A crônica esportiva elege, com razão, Valdir Papel como o grande nome do jogo. Sem dúvida um dos grandes responsáveis pelo triunfo do Madureira. Os idiotas da objetividade vão dizer que não houve triunfo, que houve, apenas, empate. Ora, um empate diante do atual campeão já é um triunfo. Mas voltemos a Valdir Papel. Meu colega alvinegro, um esquerdista nato e hereditário ironizava Valdir Papel enquanto lia a escalação: - “Centroavante de time pequeno, Tigre de Papel...” E não é que o Valdir Papel declara depois do jogo que:- “Não estava movido pela mágoa de não ter sido contratado por um time grande mas queria sim mostrar que tinha valor para tal”. Ora, já aprendemos com Freud que isso não é muito diferente de dizer: - “Estava movido pela mágoa de não ter sido contratado por um time e queria sim mostrar que tinha valor para tal” Aliás, os outros nomes do Madureira foram justamente jogadores movidos pelo mais puro e cristalino ressentimento. Pensemos no futebol apresentado por Djair e Maicon. E, mais que tudo, pensemos no histórico emocional e subjetivo destes jogadores. Djair, um jogador que vestiu amarelinha e que já fora outrora tratado pela mídia como craque. Hoje em dia relegado à condição de comandante de time pequeno. E, acima de tudo, um sujeito criado, desenvolvido e consagrado no Botafogo. Djair já se oferecera profissionalmente não só ao seu clube de nascença bem como aos demais grandes do Rio. E. Djair deu com a cara na porta. E por que? Porque acreditamos cegamente que o sujeito com mais de trinta e poucos anos é um Matusalém futebolístico. Eu falei na crônica anterior sobre o primeiro jogo da rodada dupla na ressureição de Alex Dias. No caso de Djair devemos falar em algo ainda mais improvável: a exumação de um vivo. Depois de tanto tempo redescobrimos Djair. Transpassadas as borboletas do caixão, notamos que Djair está vivo e aliás salubérrimo. Os odiadores do futebol clássico desse quase Didi vão opor o fato de que ele é lento. Mas Djair sempre foi lento. Desde o mundial de novos onde foi vice-campeão ele já era lento. Não se trata de idade. Nem de velocidade. Djair é um jogar meditabundo, racional, frio e consciente. Ele não precisa de correria obtusa, desvairada. Ele vai hipnotizando o time adversário com seus passes de lado a lado do campo. Ele não precisa correr é claro, quem corre é a bola e os atacantes que recebem seus lançamentos perfeitos. Devemos lembrar que não há nada que dinamize mais o futebol que o lançamento em profundidade. E seus lançamentos são mais na bandeja do que a cabeça de São João Batista. Aliás, pra colher seus lançamentos além do próprio Papel estava ali Maicon. Enjeitado pelo Botafogo, devolvido ao Madureira como um inútil, o jogador queria chupar a carótida dos alvinegros como uma laranja descascada. E via-se pender de sua boca a baba elástica e bovina dos possessos. Maicon só faltou plantar bananeiras. Corria, tabelava, driblava, combatia. Ele fez tudo que não fez pelo Botafogo no ano passado. Os três enjeitados, os três relegados, os três apátridas nômades comandaram o Madureira: Valdir Papel, Djair e Maicon. Aliás, Cuca errou de novo em não escalar o garoto André Lima desde o começo. O atacante ex-Madureira esteve exultante a semana inteira para rever seu ex-time agora vestindo uma camisa de um time grande. E sabe-se lá que sentimentos de inferioridade a presença de um escolhido teria gerado junto aos enjeitados. Note-se que Cuca até pode entender algo de futebol, mas nada de psicologia. Aliás, o jovem André Lima disse ao que veio no pouco tempo que jogou, correndo, lutando e marcando seu gol de empate salvador, libertando o Botafogo das correntes da derrota. E que pintura. Uma meia-bicicleta de antologia. Diga-se de passagem, a sua entrada em campo bem com a de Jorge Henrique virilizou a equipe botafoguense. O primeiro gol do Botafogo nasce de uma arrancada de Jorge que centra para Zé Roberto aplicar um chute de virada lindo. Jorge Henrique mostrou que é um furioso, um touro de soneto, um rútilo epilético, um possesso. Um jogador como esse não pode ficar de fora. Mais um erro de Cuca. Dirão os especialistas que Cuca consertou a equipe em campo com suas substituições. Mas só se pode consertar aquilo que está errado. Por que a equipe que terminou o jogo não foi a que começou? Pela mais simples burrice e teimosia do treinador alvinegro.E, por que com as substituições, o Botafogo quase ganhou? Por que de maneira cristã, o treinador alvinegro se arrependeu e reconheceu seus erros. Cuca, com sua teimosia temperada de arrependimento, promove aos torcedores botafoguenses o prazer funesto que tanto lhes apraz: o direito de descompor seu treinador. O Botafoguense tem esse esporte na mais alta conta. Esculhambar o treinador é quase tão importante para um alvinegro como o próprio futebol.E nada melhor que um sujeito que erra e, reconhece o erro, para dar mais força, mais verossimilhança, mais desejo, ao funesto vício de praguejar contra o treinador. Desde Zezé Moreira um treinador não estimulava tanto a tal tara do botafoguense. Mas um erro ele não pôde consertar. Dodô não estava nem no banco, nem na lista. E, assim, o erro irremediável, eterno e metafísico garantiu o empate ao Madureira. O Botafogo empatou mas foi derrotado pela teimosia de seu treinador e pelo ressentimento dos jogadores que enjeitou.

A FUGACIDADE DA LIDERANÇA

Senhores, não é hora de escrever bem. Fosse eu um Goethe na Itália escreveria pessimamente neste momento. A rodada dupla da noite de ontem no Maracanã foi arrebatadora. Os torcedores mais apaixonados assinalarão a reestréia de Carlos Alberto como ponto alto da noite. Os entendidos, por sua vez, consideraram a sua reestréia discreta. Estranha discrição essa de uma diva diante de mil refletores. O jovem tricolor volta ao seio materno com juras de amor. E comeu a bola desde o início do jogo. Sabe-se lá que forças ocultas ajudaram ao goleiro Adriano a impedir seu gol de falta. Carlos Alberto, filho pródigo, volta à casa e com ele os adversários parecem clowns de mil guizos. Em dado momento ele dá três ou quatro salames dionisíacos em um pobre marcador. E sem lembrar de seus lançamentos.
Mas não podemos deixar de louvar Alex Dias. O centroavante era dado como morto e enterrado pela imprensa paulista. Dirão os detratores do atacante que ressurreições são inexplicáveis. Mas Alex Dias não ressuscitou, pois nunca morreu. Sempre esteve salubérrimo. Precisava apenas do carinho de uma torcida que o apoiasse. E que torcida. Tricolores vivos e mortos encheram sua metade do anel e ainda tomaram grande parte do território botafoguense. Um amigo alvinegro insistiu que o gol fora feio. Gol feio? Por que? Pergunto a ele. Ao que ele responde: porque a bola bate na mão do goleiro antes de entrar. O que me fez achar o gol ainda mais belo. O chute oblíquo, o esforço do goleiro em evitar o gol, a forma com que a bola entra no cantinho dão ares épicos à jogada. E dramaticidade ainda maior, ganha o movimento como um todo pela completada de Rafael Moura. Sabemos que ele toca a bola depois de transpassada a linha fatal. Mas o gesto serve para confirmar duas coisas: que estava escrito que seria gol, naquele momento, de qualquer forma. E, também, que Rafael Moura é de uma saúde vacum e um ímpeto heróico. Não é a toa que ganhou a alcunha de He-Man.
Devemos lembrar que mesmo os heróis de desenho animado têm seus arreganhos de pundonor, de medo. Mas Rafael, limitado tecnicamente ou não, é capaz de dar a face à chuteira do adversário, de oferecer seu peito largo e épico de havaiano de filme às esporas dos defensores.
Dirão os idiotas da objetividade que o placar mínimo não configura uma grande vitória. Mesmo que o Fluminense não tivesse marcado seu gol mereceria uma vitória por pontos como no boxe. Se Fluminense e Friburguense tivessem lutado diante de juízes sérios a contagem das papeletas revelaria uma diferença intransponível entre as duas equipes. Depois do gol só restou ao Fluminense deslizar como um cisne de lado a lado. E Carlos Alberto, ao mesmo tempo, cerebral e impetuoso junto à torcida conduzindo, como um maestro, o olé magnífico e seu coro. Carlos Alberto liderava o meio de campo de cetro na mão e manto púrpura como um Rei Lear.
No banheiro após o jogo vejo um amigo pó-de-arroz como eu gritando: Líder! Líder! Líder! Apupado pelos torcedores botafoguenses que ironizavam o grito de liderança na primeira rodada, ele respondeu com pendor filosófico: A vida é curta! A vida é passageira! O Sábio do mictório nos mostrou aquilo que Sartre dizia. Cada momento é constitutivo de nossa existência. E feliz é quem sabe viver esse momento. Os tricolores podem e devem comemorar a liderança mesmo que curta e passageira. Pois passageira e curta é a própria vida.
Mas já ficou claro que somos candidatos inequívocos ao título. Quem sabe não lideraremos o campeonato de ponta a ponta? A máquina tricolor está de volta.Um clube como o Fluminense saturado de glórias, coberto de títulos quando estréia desse jeito, opera desse jeito em moto-contínuo. Ainda mais numa competição de tiro curto como a Taça Guanabara. Grite: - Líder! Faltam apenas quatro jogos para o título da Taça Guanabara! Se deus quiser!